Logo que me comprometi a tecer algo sobre o tema exposto, veio-me na varanda da memória, um pensador; George-Louis Leclerc, Conde de Buffon (1707-1788), filósofo naturalista do século XVIII. Leclerc, como refere Artur Morão, foi deveras criticado, no seu tempo, pelos enciclopedistas e principalmente por Condorcet, justamente quanto ao seu estilo.
Todavia o seu discurso foi muito apreciado pelos românticos como Baudelaire, Flaubert e Barbey d’Aurevilly. Leclerc no seu Tratado sobre o estilo diz no início que o estilo é apenas a ordem e o movimento que se instaura nos pensamentos. E que se eles forem encadeados de modo apropriado, se forem ajustados, o estilo torna-se robusto, nervoso e conciso; se eles se sucederem de forma lenta e se juntarem apenas por meio das palavras, por elegantes que sejam, o estilo será difuso, desligado e moroso.
Ora! O tempo ensinou-nos que só ele determina o nosso estilo. Através da sua outra companheira, a experiência. Jimmy Dludlu inverte-nos tudo em cada número de “In the Groove”. Neste álbum, Jimmy, parece-me que dá ao tempo seu estilo e não faz o contrário. Sempre maduro em cada número. O modo apropriado como ordem e o movimento instauram-se, o estilo, neste álbum faz-se afirmar que há músicos que parecem nascer já maduros para produzir e executar. Impossível parece, em grande parte, esperar ainda que Jimmy amadureça. O estilo (único), a execução, os cortes permanentes (que não desunem) que unem o que é artisticamente um pensar estético, através de notas a tradição fazem de Jimmy neste álbum um cientista do Afrojazz.
“In the Groove” constitui um verdadeiro encontro entre a estética (impossível) e a tradição; todavia, esses dois elementos sempre estiveram em todas produções de Jimmy. Aqui eles reaparecem com os seus rostos lavados, pintados de simplicidade, habitando a mesma nota, buscando em cada execução a recombinação. E Jimmy voa. Abre as asas da sua guitarra e rasga com gestos leves e concisos, o céu de algumas canções populares. Traz essas canções com todos preconceitos que temos delas. Recria-as. Reinventa-as. Queima-as e como um autêntico domador de “Fénix's” as faz ressurgir das suas próprias cinzas; bem polidas, engomadas e com a barba feita. Ri-se como rira-se em criança em Hlamankulo das circunstâncias tristes e amargas que o seu povo fotografou em canções.
Jimmy percorre os caminhos de canções tradições que cresceu ouvindo; e realiza neste álbum, o sonho de toda criança: transformar tudo que a rodeia; fazer tudo ao seu modo sem tirar a sua essência. Reflecte e celebra todos os estilos, como ele o diz. Homenageia Alberto Machavele, ressuscita a estrondosa voz de Brenda Fassie que cedo calou-se e pôs-se com muita nostalgia a recordar Samora Machel e anesteseia sua alma de esperança e sonha, uma vez mais, com um país justo. Transbordam-lhe na alma canções de revolução que um dia guiaram o país e o continuador que foi. Volta ao presente e deixa-se cantar com Judith Sephuma, Isabel Novela, Vincent Mondlane e nos jogos rápidos da palavra de Simba. Faz da sua alma um verdadeiro tambor. E deixa mãos talentosas como as de Tony Paco, Nelson Lifanisa tocarem nele.
Ao transpôr as fronteiras nacionais, Jimmy não pretende deixá-las na gaveta da inexistência. Faz desse salto um laço de união. E deixa brilhar no seu “groove” o cidadão do Mundo que é. Este álbum não só se configura nas ricas canções tradicionais, entra por nós adentro no primeiro instante com outros ritmos e sonoridades. Este bornal melódico tem dentro de si o Semba, o Blues, o Gospel, o Ximurenga e entre outros.
Essas viagens, esses mundos que este álbum nos traz, reafirmam, como referira Leclerc, que verdadeira eloquência pressupõe o exercício do génio e a cultura do espírito. E Jimmy despe o génio que lhe escorre nas mãos e a cultura do espírito que lhe faz viver. Coeso e firme sobe as escadas de si próprio para sempre não se cansar de se superar.