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O Correio da Matola propõe esta semana aos leitores, uma viagem para o interior de um dos bairros mais urbanizado da Matola. Para termos o mínimo da história recente, recorremos a Odete Mandlate, moradora da célula um, quarteirão dois, do bairro Tsalala. Tem 58 anos de idade e vive nesta urbe há 45 anos, ou seja, antes da independência nacional.

O Bairro Municipal de Tsalala localiza-se no Posto Administrativo da Machava, Município da Matola, faz fronteira com os bairros de Sicuama, Liberdade, Tchumene, Malhampswene e Bunhiça. É tido como o maior bairro da Matola em termos de extensão e densidade populacional. Está dividido em nove células e conta com um Posto de Saúde, um Posto Policial, três escolas, duas primárias: Escola Primária Completa de Tsalala, Escola Primária Completa 8 de Março e uma de ensino secundário primeiro ciclo: Escola Secundária Alfredo Namitete. Tem ainda duas escolas privadas: uma escola primária completa ligada a uma igreja e uma secundária de segundo ciclo: Escola Comunitária 15 de Janeiro.

 "O bairro de Tsalala registou um crescimento acima da média nos últimos 20 anos. Quando cá  cheguei em 1971 tinha apenas 12 ano de idade,  era tudo mato, até metia medo. Ao redor só haviam três casas", começou por contar dona Odete para depois continuar, "antes para construir era só ir ter com o chefe de quarteirão, este perguntava onde queria viver e fixava residência. Actualmente, são necessários 'rios de dinheiro' para ter um espaço de 30 por 15".

Odete Mandlate

tsalala odeteA nossa interlocutora refere que o Tsalala urbano actual era inimaginável há duas décadas. As diferenças são abismais e reflectem o desenvolvimento municipal. "Tínhamos sérios problemas de água. Para  se ter o precioso líquido caminhávamos até aos bairros de Liberdade e Sicuama onde tinha pântanos. Após a guerra as coisas melhoraram.  O primeiro furo de água foi construído com a empresa Lusalite, próximo à linha férrea", prosseguiu Odete Mandlate, funcionária do Estado há 35 anos e mãe de três filhos.
Um dos filhos, chama-se José Luis Sousa, docente de profissão, casado e pai de dois filhos. Nasceu em 1986 e mora no bairro Tsalala desde que nasceu. Escuta o relato da progenitora em silêncio, relembrando os tempos da infância que segundo ele são inesquecíveis "corríamos descalços pela terra virgem, apanhávamos caju, pastávamos cabritos e jogávamos alegres a bola nas ruas quase desertas", lembra José Luis. Após uma pausa e uma breve reflexão aponta "todo este cimento que você vê neste momento não existia. São ventos do desenvolvimento", referiu.

Enquanto o filho dá uma pausa, a mãe - Odete Mandlate lamenta a inércia do desenvolvimento na área dos transportes "em termos de transporte muito há por fazer. É certo que já temos duas estradas asfaltadas atravessando o bairro (Nkobe - Tchumene e Machava - Malhampswene), mas temos de fazer ligações para chegar às cidades de Matola e Maputo".
Paragem da Lusalite - Tsalala

No rol das lamentações, as nossas fontes clamam por um mais um posto de saúde, "tenho 45 anos neste bairro, contudo, nem sequer conheço a única unidade sanitária existente que, dizem localizar-se na célula nove. Fica distante da maioria dos moradores. Quando ficamos doentes recorremos Machava ou Liberdade".

A péssima qualidade no fornecimento da água pela FIPAG constitui outro calcanhar de Aquiles para os moradores do bairro Tsalala. "A água jorra a conta gotas, desde que a FIPAG tomou conta da gestão da distribuição da mesma", garante Abel Matusse, morador do quarteirão três. Abel tem 40 anos de idade, nunca viveu noutro local senão Tsalala.

Para Abel Matusse, o parcelamento e venda de parte do terreno da Escola Primária 8 de Março e dos terrenos do circulo do bairro, venda de espaço de reserva municipal a um cidadão que construiu o complexo Tsay constituem um dos casos mais caricatos do bairro. Para além desses problemas, entende que o bairro precisa de ter mais escola secundária pública, do segundo ciclo, e uma do ensino técnico. "O município deve distribuir DUATS aos residentes e preservar espaços para a prática desportiva, melhorar o sistema de recolha de lixo e reabilitar as estradas terciárias".

Abel Matusse

Apreciando o vaivém da rua, sentada na varanda da sua casa, Odete percorre o fio da memória, "os serviços de transportes antes da independência eram um caos. Dependíamos da Companhia de Transportes de Moçambique, contudo, eram relativamente melhores que os actuais porque cumpriam rigorosamente os horários. Hoje em dia, só temos um autocarro público que sai de Malhampswene para Baixa via Tsalala".

tsalala2Como avalia a situação da segurança no bairro? - pergunta o repórter a Odete. "A situação em termos de segurança é precária", disse com convicção para depois se explicar. "Chegamos ao cúmulo de ter medo de circular à noite. Fui assaltada próximo de casa às 20 horas", referiu Odete que foi secundada pelo filho - José Luis que recorre a ciência para explicar o fenômeno da criminalidade. Aponta que o aumento demográfico numa zona acarreta novos tipos de crime. "Se antes assaltavam patos e cabrito, nos dias que correm assalta-se carros, residências e ainda pedestres com recurso a armas de fogo e brancas", afirmou José Luis que sugere mais um posto policial por entender que o existente "é uma gota no oceano, para as necessidades de um bairro tão vasto e super habitado". José Luis foi vítima de assalto a mão armada em 2009.

"Nunca vi um agente da PRM por aqui (quarteirão 3). Sinto que não temos protecção - pedimos a quem de direito um posto policial. Se em cada duas células tivéssemos um posto policial muito provavelmente estaríamos mais seguro", comentou Abel Matusse.
José Luis - alegre por estar no antigo campo da Lusalite

Num mar de lamentações, é na componente desportiva onde pontifica a insatisfação de José Luis e Abel Matusse - lamentam a vedação do campo localizado próximo á antiga Lusalite, actual Simbe. Os dois mostraram ao Correio da Matola o murro de vedação "esta é a vedação que limita os jovens que vivem nas redondezas a praticarem o desporto", aponta com tristeza e com algum saudosismo. "Foi aqui onde aprendi os primeiros toques da bola. Tornei-me jogador profissional pelo Desportivo Maputo. Fico triste ao verificar que os 'putos' de agora só pensam em "boladas perigosas" e álcool. Não praticam desporto. Vejo impotente o tecido social a degradar-se", queixou-se.

Efectivamente, o bairro de Tsalala surpreende pelas suas histórias, pelo passado glorioso, pela maneira como retrata as sequelas do desenvolvimento. "Há dois anos que a célula "1" não possui um campo de futebol. Descobri muitos talentos neste campo (fala apontando o de Lusalite), um deles é Jojo que joga no Desportivo Maputo", disse de semblante carregado, Abel Matusse que é treinador de formação.

Ao passear pelo bairro, o Correio da Matola descobriu o Complexo Tsai que segundo os nativos já foi um local de eventos. "Aqui promovíamos o rapper", garante Manuel Muniz, 38 anos de idade que lamenta a transformação do espaço num "escondinho" - local de encontro de amantes".

Os moradores abordados pelo nosso repórter, lamentam a proliferação dos famosos "escondidinhos" no bairro. Citam como um exemplo, uma situação caricata, em que a Escola Comunitária 15 de Janeiro, que leciona o ensino secundário no período diurno e nocturno foi construída mesmo em frente de um escondinho. "Conhecemos professores que se envolvem com alunas e juntos saem directamente para a guest house", denunciaram.

Escola Comunitária 15 de Janeiro

O Correio da Matola visitou a Escola Comunitária 15 de Janeiro e verificou no terreno que a mesma situa-se num local problemático. Para além da localização inconveniente, a escola só possui cinco salas de aulas, sem portas nem vidros nas janelas, sem secretaria nem direcção.

Mas Tsalala não vive só de problemas, como já foi acima referenciado, é um dos bairros mais urbanizados do município. Possui segundo Alberto de Oliveira Ventura, um excelente planeamento urbano e mantém a tradição. O bairro que é representado pelo régulo Matola realiza todos os anos a cerimônia "ku phalha", que é feito no regulado como sinônimo de acautelar e seguir de forma rígida os hábitos e costumes tradicionais. Cada família do bairro contribui 20 meticais para o fabrico de canhu em casa do régulo.

Historicamente, na guerra dos 16 anos o bairro albergou quatro bases das forças armadas e defesa e segurança. Será por isso, que José Luis foi pisado pelos "bandidos armados" em 1992 quase no final da guerra "quando invadiram a casa da minha falecida avó, aqui em Tsalala, na rua do contentor Amarelo"

José Luis

tsalala4A estrada é uma valia extraordinária, além de garantir a comunicação com Nkobe e Matola Gare, estabelece a comunicação para os bairros interiores de Tsalala - garantiram os nossos entrevistados.

Entretanto, a nossa equipe de redacção não conseguiu colher mais subsídios sobre o bairro ao secretário local. Todas as tentativas neste sentido redundaram num fracasso. Resumidamente, a secretária declinou tecer quaisquer considerações sem o aval do Posto Administrativo da Machava, por sua vez, este exigiu da nossa parte uma carta elencando as questões. Fizemos tal e qual, contudo, até a edição e publicação deste artigo não tivemos nenhum esclarecimento.