Imprimir

Jasmins and chambre

Matiangola, ou simplesmente Nélio Nhamposse. Amigo, respeitável e mestraço impossível. Conheço-o como um rígido revisor linguístico. Este ano esteve comigo no Festival Literatas, na Matola, e conversamos muito. Falou-me da sua rebeldia, seus medos e repetiu-me com tanta insistência, no Bar dos Poetas, a palavra: FELICIDADE. Recordei-me, logo, de Aristóteles quando em “Ética a Nicômaco” defende que a felicidade é o maior bem desejado pelos homens e o fim de todas acções humanas. Ofereceu-me “Jasmins & Chambre”. Li-o, atentamente, durante a semana toda. Apesar de que já o tinha lido em outras ocasiões. Aquilo não é simples livro. É uma celebração, ode, clamor à Morte.

O livro de Matiangola caminha com aquilo que é o terceiro traço, fundamental, da existência do Dasein de Martin Heidegger - (1889-1976) figura mais representativa do existencialismo alemão – o ser-para-a-morte. Em Heidegger o Dasein pode ser entendido como sendo o ser-aí (o próprio homem). Heidegger em seu livro, “Sein und Zeit” ou seja, “Ser e Tempo”, busca um outro sentido do ser que se livre de todos posicionamentos sustentados ao longo da história da metafisica. Se a metafísica tradicional perguntava o que é o ser, Heidegger vai perguntar como resgatar o ser esquecido.

Dentro dessa perspectiva, de resgate do ser e do seu sentido, Heidegger faz uma análise da existência do Dasein em três traços fundamentais: o ser-no-mundo; o ser-com-os-outros e o ser-para-a-morte. Ora, o meu grande objectivo é cruzar a poética, mortífera, de Matiangola com a última categoria do Dasein de Heidegger – ser-para-a-morte. De uma forma breve, o ser-no-mundo, Heidegger sustenta-o dizendo que não existe um sujeito fora do Mundo; sendo, assim, o Mundo o que recebe o Dasein quando se lança nele; o Dasein assume a relação com as coisas e ganha existência entrando em contacto com as coisas; o ser-com-os-outros sugere que não existe sujeito isolado dos outros; o que determina, a essência do Dasein, sua existência, é o contacto que estabelece com o outro.

Entrando, agora, no ser-para-a-morte, Heidegger diz-nos que o homem pode fazer qualquer escolha, excepto escolher não morrer. Sendo a vida humana autêntica aquela que está voltada para a possibilidade da morte. Matiangola sente-se um Dasein para a morte: “Julieta, sinto que os meus dias se aproximam. Sinto os ventos chegarem aos meus pes. A minha morte é uma questão de dias”.

A morte, seguindo o existencialismo de Heidegger, é a possibilidade da impossibilidade do próprio ser-no-mundo. E enquanto possibilidade, a morte é a mais própria do Dasein. Matiangola mergulha nessa possibilidade da impossibilidade. Reconhece-se como um ser que completa a sua existência na morte ou seja, como um projecto feito ou que se faz para um único fim certo, uma possibilidade firme, a morte: “Hoje, Julieta, devo afastar-te de qualquer sombra. O meu pai (Pandhava) está a preparar a minha morte e o meu respectivo enterro. Serei glorificado nesse dia”.

Como nos refere, o filósofo em comparação, a possibilidade da morte descobre-se na angústia. O Dasein convive com esse sentimento. A angústia pode ser definida como sendo uma forma com a qual o homem vive autenticamente sua vida; visando que a qualquer momento poderá morrer. Esse mesmo sentimento coloca o homem diante do não-sentido da sua vida, da impossibilidade das possibilidades: a morte; em Matiangola descobre-se em excertos, bem poéticos, essa angústia; esse sentimento faz o escritor, Matiangola, sentir-se impedido de buscar o sentido de sua existência por si mesmo: “[quando morrer] ascenderei ao timbre das estrelas da poesia; far-se-ão autênticas odes à minha morte”. Na página 50, Matiangola, assume uma vida autêntica, no vocabulário de Heidegger, pois reconhece que é um ser-para-a-morte: “sabes, Julieta, tenho saudades da morte. Tenho saudades daquela noite em que estava no caixão e até fizemos amor [...]” e mais adiante não só se proclama um ser-para-a-morte, proclama-se, também, um ser possuidor da morte: “a morte é minha e o enterro é meu. Azar é meu. Aliás, azar é trazer pastores não certificados para orarem a minha morte”.

Matiangola não é um sujeito isolado dos outros (é um ser-com-os-outros) e dentro dessa esfera descobre que o outro, o próximo, é também um ser-para-a-morte. Descobre a visão de limite que o próximo contempla e diz “Finalmente a minha mulher tinha morrido. O quarto, onde jazia Julieta, estava funesto e pesado de dor. Os jasmins emanavam e esculpiam o corpo estatelado sobre a cama. […] lembrei-me que Julieta apreciava tanto o silêncio que se tronou cultora do mesmo. Esculpia-o e reinventava-o”.

Leszek Kolakowski, filósofo polonês, em seu ensaio “O Sacerdote e o Bufão” refere que em todas as sociedades existem dois tipos de homens, sacerdotes e bufões. Sendo os sacerdotes os que sacralizam o existente e colocam o selo de verdade absoluta no conhecimento que circula; e por um lado existem os bufões, que se riem daquilo que comumente se considera sagrado. E Matiangola em “Jasmins & Chambre” é um autêntico bufão. Ri-se de tudo. Dessacraliza tudo, principalmente a morte. Cria Matiangola Company – empresa vocacionada à elaboração de discursos fúnebres e a disponibilização de homens para chorarem em velórios; cria a Matiangola Julian Church, cria uma empresa para confeccionar luto e constitui a Necrology University – onde se cursa Necrologia. É tudo uma celebração do ser-para-a-morte. Matiangola nestes Jasmins e Chambre vive para a morte que no dizer de Heidegger é o sentido autêntico da existência.

железо для компа