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Por: Sérgio Raimundo

trumpMilhões de americanos foram, nessa terça feira, abrir as portas da Casa Branca à Trump. A democracia é essa roldana que escorre sob o impulso de duas esferas que os gregos ensinaram-nos: demos e kratia; governo do povo. A democracia é este “milagre grego” que segundo a professora Marilena Chauí segura-se em três pilares principais: conflito, abertura e rotatividade. A determinação conflito, dentro da democracia, é que nos faz acreditar que divergir é inerente à sociedade pluralista. Sociedade que se forma em discursos múltiplos. A abertura é que faz a informação, em nossas sociedades democráticas, circular livremente e faz com que a cultura não seja tomada como privilégio de alguns. Há rotatividade, no governo do povo, visto que o poder não privilegia um grupo ou classe, pertence a todos sectores da sociedade. Aliás, foi a rotatividade democrática que levou o filósofo, francês, Claude Lefort a defender que o lugar do poder em nossas sociedades é um lugar vazio.

O escritor dissidente Soljenitsin, da então União Soviética, costumava referir-se a Stálin como um autêntico EGOCRATA. Quer dizer, um ser todo-poderoso que apagava a distinção entre a esfera do Estado e da Sociedade Civil. Outrossim, Trump em seus discursos, durante a campanha, revelou-nos esse carácter de EGOCRATA. Recordou-nos o fascismo e nazismo, a disciplina que fora exaltada por esses movimentos totalitários; mostrou-se como a figura chefe que queria ser “mistificada”. “Construir um muro para evitar a entrada de imigrantes ilegais e drogas nos EUA” foi sempre o que Trump prometeu ao povo americano de pés firmes. Como isso, tem-se a visão de que esse grande empresário associa, directamente, a criminalidade à entrada ilegal de muitos estrangeiros. O muro seria o limite, nesse caso, para isolar o povo não criminoso, não drogado, do o povo vagabundo (o resto do Mundo).

Trump parece-me um neonazista que assume a defesa do Estado forte e, em seus discursos, expressou de modo violento a sua intolerância racial. Se a democracia, segundo Kelsen, é caracterizada por uma visão do Mundo baseado no respeito pelo Outro, e pelo princípio de legalidade, do controlo e da responsabilidade de poder, que exigem que os governantes sejam expostos à luz pública para o efeito específico das avaliações dos governados. Questões surgem-me: como essa mesma democracia, tolerante, foi pescar nas urnas um tipo que antes mesmo de ser eleito já se mostrava um intolerante e uma forja de desrespeito ao Outro? E como os governados poderão controlar o seu governante se logo, a priori, mostrou-se um futuro presidente que quer controlar a todos ao invés de governar?
Hannah Arendt, filósofa alemã, ensinou-nos que o que converte governados engagés (do francês “engajados”) em enragés (do francês “enraivecidos”) gerando a violência é a hipocrisia da mentira dos governantes. Os eleitores mais radicais, nacionalistas, que votaram em Trump poderão ateiar o fogo da violência caso ele não cumpra com as suas promessas.

A subida de Trump e dos Republicanos ao poder já tinha sido profetizada, como referem muitos jornais americanos, pelo pai do neopragmatismo americano, o filósofo Richard Rorty. Richard Rorty, meu filósofo preferido, em seu último livro, Achieving Our Country (Conquistando nosso país), escrito em 1998, advertiu para onde caminhava a nação, americana, a pós-industrial. Numa das passagens desse livro, Rorty, diz o seguinte: “[...] vários autores de política socioeconómica avisaram que as velhas democracias industrializadas estavam se dirigindo a um período tipo Weimar, daqueles em que movimentos populistas têm a probabilidade de derrubar governos constitucionais. Edward Luttwak, por exemplo, sugeriu que o fascismo pode ser o futuro dos Estados Unidos. A esta altura, algo irá romper-se. O eleitorado que não pertence às elites decidirá que o sistema fracassou e começará a procurar um homem forte em quem votar – alguém que deseje assegurar que, uma vez eleito, os burocratas presunçosos, advogados ardilosos, vendedores de ações superassalariados e professores pós modernistas não estarão mais dando as cartas”.

Trump constitui o homem que Rorty refere. O homem forte que o povo escolheu. E mais adiante Rorty diz: “coisa que muito provavelmente acontecerá é que os ganhos acumulados nos últimos quarenta anos pelos norte-americanos negros e latinos, e pelos homossexuais, serão varridos. O desprezo jocoso pelas mulheres voltará à moda. As palavras “negro” e “judeu” serão novamente ouvidas nos locais de trabalho. Todo o sadismo que a esquerda académica tentou tornar inaceitável para seus estudantes voltará numa enchente. Todo o ressentimento que os americanos pouco educados sentem por ter seu comportamento ditado pelos graduados em universidades encontrará um escape”.

Eis o homem que os americanos trazem-nos para comandar os EUA e, consequentemente o mundo inteiro. O seu discurso de vitória foi o inverso do seu manifesto eleitoral. Foi um discurso lúcido, pacífico, multirracialista e acima de tudo prometeu aos americanos que seria um presidente de todos eles (sem nenhum tipo de exclusão). E quiçá.

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