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Do lado da Ala BSobre a Poesia de Amin Nordine – o Professor Francisco Noa – disse: “[...] estamos perante uma poesia que fustiga, mas que festeja, que satiriza, mas não moraliza, lapidar mas plena de sentidos, e que sobretudo entreabre uma janela de frescura, de inteligência, de inconformismo e de labor da lima que tanto carece a nossa literatura”.

Nordine constitui um pilar, marmóreo, de boa parte da minha produção no altar da escrita. Sempre poliu, com muito gosto e rigidez, tudo que o verso que me deixava escrever com a minha dextra. Recordo-me, com um pano de saudade, na alma, dos nossos encontros no Teatro Avenida, na Casa Museu José Craveirinha – Mafalala, seu outro berço. Aliás, por um tempo, Nordine, instalou-se numa zona próxima à minha casa – Ka Xikhossi.

Este poeta foi uma antena social bem atenta, uma voz de protesto de causas justas e nobres do seu tempo. Sua poética era tão densa e marginal como o ser o que carregava no seu estiloso andar. Em cada poesia do “Do Lado da Ala-B” é impossível não sentir, a simplicidade, do seu cabelo, mulato, bailando no músculo eólico; impossível, não encontrar, nesse livro, um verso bem graduado – típico de poetas puristas.

José Ortega y Gasset (1883-1955) - filósofo espanhol – em “Meditações sobre o Quixote” desenvolve um pensamento que procura fundamentar a circunstância e a própria formação do indivíduo. Gasset resume a relação entre esses dois conceitos numa única frase: “eu sou eu e minha circunstância”. A circunstância, confirme Gasset, é o conjunto de todas as coisas e seres do universo que nos circundam; não constitui apenas o ambiente físico assim como o social. A mesma circunstância constitui a fonte perene de preocupações e de problemas.

(A questão da circunstância não é exclusiva à Gasset. Tendo sido debatida e bem aprofundada pela fenomenologia e o existencialismo. Todavia, essa problemática, filosófica, ganha cunho em Gasset pois ele faz uma tomada histórica das categorias de Situação e Temporalidade, colocando a Espanha no centro).

Amin Nordine assume-se nessa circunstância que o filósofo espanhol fala-nos. A circunstância enquanto um elemento agregador do lugar, tempo, sociedade, em que cada um de nós assume desde o seu nascimento. A circunstância de Nordine assume-se como um meio social de caos, corrupção política, violência e em grande parte como um palco de injustiças sociais perpetuadas pela má governação. Para perceber a circunstância (política) do poeta, basta a leitura da 49 do texto “(C)anibalzinhos”. Diz: “Enquanto o altar for do diabo; que seremos nós diante de uns (C)anibalzinhos?”. Nordine toma a circunstância que vive como sendo guiado, controlado pelo diabo (não no sentido religioso). Essa mesma circunstância vira uma fonte de preocupação perante o poeta.

O social, como fora dito, constitui uma parte da nossa circunstância. Em Nordine, pode-se ver, que a circunstância molda-se em três perspectivas: a social, política e pessoal. Na social basta ler o texto “Chapa”, onde o poeta exprime-se do seguinte modo: “a nauseabunda catinga empoleirada no incómodo do chapa./ Vai chapa perseguindo chapa./ [...]superlotada receita galgando o vento./ Com mãos no coração do destino...”. Já a circunstância íntima ou pessoal de si próprio, Nordine expressa no poema “Soneto de Natal (Para Carlos Cardoso)”: “Morte te embalou o estares comigo./ Quem em mim, foste o sonho amigo./ E mais que tu, só es, melhor amigo./ Mesmo assim acontecido comigo [...]”.

Gasset refere, ainda, que o homem luta com as dificuldades (circunstâncias) em que tropeça inventando não só ideias e instrumentos, mas também papéis, estilos de vida: partindo de sua circunstância, o homem inventa o homem, e inventa também a cultura e a história. E Amin assim o procede. Inventa a cultura e a história em versos: “raios de pulga!/ Quantos apelos faz o pêlo à pulga?/ Oh, my god/ Who is a dog?”.

O filósofo, considerado por Camus como sendo o maior escritor europeu depois de Nietzche, Gasset refere que a fantasia – capacidade que o homem tem de se tornar ser que projecta, para mudar a si mesmo e o ambiente circunstante e que, sem trégua, põe em confronto os projectos elaborados sem seu mundo interior com a situação do mundo externo – é a base primeira da liberdade do indivíduo.

Pensar o ser do homem, seguindo o paradigma de Ortega, seria primeiro compreender a realidade que o envolve. O homem não
 vive separado do espaço-tempo em
 que se situa. Nordine não age como um homem-massa; pois não é um poeta irresponsável, um especialista incapaz de enfrentar um problema geral, decidido na rejeição da discussão: “Queixo barbudos engravatados/ barbearia de cabrões/ que deixa todo chão careca/ e ao altar mastro hasteiam bandeira/ para desfraldar o corpo nu do povo/ oh meu Deus plural/ quem lhes deu no singular (!?)”.

Ora a poética de Nordine faz serve de força motriz ao vento revolucionário que lhe sombra na alma. Este poeta faz parte do que Gasset chama de minorias escolhidas, indivíduos doptados de fantasia e de coragem, que impõem a multidões passivas suas propostas inovadoras, em contraposição às gerações cumulativas (não inovadoras) e polémicas (contrárias ao legado de quem as precedeu): “[...] venha do vosso governo mais pão/ só assim poderá viver mais são/ burilada a página da história/ apagar com a sua triste memória/ fazermos o país livre da escócia!!!”