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Por: Sérgio Raimundo

É possível pensar no Cristianismo sem antes cair na esteira do Pai – Filho – Espírito Santo? Como é possível querer tornar-se campeão mundial em corrida de velocidade com barreiras, sem antes conhecer o ABC de pôr o pé, correctamente, na pista? Estamos num tempo degenerado pelo autêntico desejo de ser e mais nada. Há quem é escritor sem ter sido e leitor e consequentemente sem ter desvirginado com a erecção da atenção e pelo juízo crítico um simples livro; todavia é escritor.

A Literatura antes de ser tomado como um modo humano de ser, pode ser vista como uma ceita; pois tem suas regras, tem seus jogos, tem suas formas de dízimos e acima de tudo tem seus deuses e sua santíssima trindade: Escritor – Leitor – Livro. Vivemos e produzimos a nossa Literatura (a Moçambicana) num período marcado por várias dores e desamores. Um período de sangramento humano. Um período que não tendo olhos para olhar a si mesmo macula a Santíssima Trindade Literária; e nesse mesmo período precisamos de quem pense por nós; quem mesmo estando submetido, entulhado neste grande carrossel consiga sair e de longe ver tudo que se passa e orar por nós. Alguns críticos literários tentaram, com muito esforço isso, todavia acabaram caindo numa promiscuidade ingénua. É hora de “queimar” todos críticos literários e orar a Santíssima Trindade para que nos possa revelar através dos seus anjos Pensadores Literários.

Está na moda ser escritor; e está no desuso ser um bom escritor. Que podemos esperar dum escritor que se estende, em plena Praça Pública, sobre o seu livro para ser visto como um Nobel? Afinal que deve fazer o escritor perante o seu livro? Estender-se sobre ele ou sob ele? Ah! O Apocalipse literário sempre me falou, mas eu sempre não dei ouvidos a ele: “virão escritores que fazem livros e não livros que fazem escritores”. Alguns escritores virarão um rebanho submisso a doutrinas politicamente correctas; blasfemaram a Santíssima Trindade. Hoje adoram, nas escondidas, figuras que antes nem faziam parte dos seus pesadelos e por isso adoptaram um novo paradigma definidor de um escritor: é escritor quem já ganhou vários prémios literários; já não se define o escritor pela totalidade orgânica da sua obra. Deixemos, caros escritores, o cabotinismo literário.

Ah! Alguns leitores andam, também, ao avesso; já não faz da leitura uma actividade de percepção e criação como referira Sartre no seu Jornal Les Temps Modernes. A mesmice literária do escritor actual, obrigou o leitor a transformar a leitura em uma mera actividade mecânica. O leitor já não cria sobre aquilo que o escritor projectou; já não completa a criação que o escritor inicia. O Mar Vermelho inundou o tecido límpido e branco do leitor; já não é na leitura onde brotam as mais belas sementes de um bom escritor; a leitura já não é uma actividade dialéctica a de arte de escrever.

Sarte num dos seus belos artigos afirmou pois que o objecto literário é um estranho pião, que só existe em movimento; e que para fazê-lo surgir é necessário um acto concreto que se chama leitura, e ele só dura enquanto essa leitura durar. Por que actualmente coisificamos os leitores? Sempre os convidamos a assistirem novos lançamentos de livros e nunca a assistirem o espetáculo das nossas narrativas; passamos o tempo todo convidando nossos leitores a serem simples compradores dos nossos livros e não devoradores críticos dos nossos livros. Tudo no início era Verbo; hoje pode se dizer que “Tudo no início era brincadeira”.

Precisamos de livros que obrigam os leitores a serem criadores sobre as nossas obras. Leitores que nas entrelinhas das nossas estórias criam outras estórias. Arre! Precisamos, amigos, de livros que façam o leitor um Co-autor. Que o diga o leitor que viveu adormecido em mim até a leitura de livros despertadores como Pedro Páramo, O Processo, Terra Sonâmbula, Orgia dos Loucos, Por quem os Sinos Dobram, etc.

Há escritores que escrevem livros de menos e outros que escrevem livros de mais. E aqui neste nosso “Carrossel Literário” o mais importante parece que não é produzir um livro com qualidade, mas sim livros em quantidade. O escritor esqueceu-se que o objecto literário no livro realiza-se através da linguagem e não é dado pela linguagem. Produzem-se livros presos a palavras sentimentais adornadas de metáforas, como dissera Deusa d' Africa. Escritores narcisistas que só se servem de palavras e nunca as servem, não escrevem livros, escrevem diários mortos que só juris zarolhos podem considerá-los vencedores de prémios literários.